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Os transexuais no Candomblé

  • Foto do escritor: Filhos do Candomblé
    Filhos do Candomblé
  • 28 de jan. de 2019
  • 7 min de leitura

Atualizado: 25 de mar. de 2019

Durante toda a minha jornada dentro do candomblé eu vejo as pessoas debatendo sobre o tratamento para com as pessoas transexuais, como lidar com elas, como vesti-las e etc.

O candomblé como religião familiar de acolhimento tem como responsabilidade abrir as portas de sua casa para abrigar a todos aqueles que precisam de sua ajuda ou que querem louvar o orixá. Só que em certos casos, infelizmente, ainda ouvimos discursos que podem ofender ou ferir essas pessoas que tentam se inserir no culto. Seja lá o motivo de cada um tomar suas decisões dentro de sua casa de santo, devemos ter em vista um objetivo maior e comum a todos: o respeito por todas as pessoas e a compreensão das particularidades de cada uma delas.

Agora, antes de iniciar a nossa matéria e ler os depoimentos iremos elucidar algumas questões importantes.



SEXO x GÊNERO x ORIENTAÇÃO SEXUAL

O princípio básico para a gente começar a entender os diversos tipos de gênero é primeiro diferenciá-lo do que é o sexo e orientação sexual.

O sexo está ligado às condições biológicas com que cada ser humano nasce, como por exemplo: aparelhos reprodutores, hormônios e genitálias. Aqui podemos observar os sexos masculino e feminino.

Já o gênero está ligado às condições sociais e culturais e de como aquele indivíduo se relaciona com seu próprio corpo e com a sua autopercepção. Aqui podemos observar os gêneros transexuais e não-binários.

A orientação sexual explica como a pessoa lida com as suas preferências sexuais e afetivas. Aqui podemos observar as orientações homossexuais e heterossexuais.

Tendo em vista essas informações vamos pensar em um exemplo básico para uma melhor compreensão dos conceitos: o Thammy Miranda nasceu do sexo feminino só que alguns anos depois ele passou a se reconhecer como homem trans. Apesar disso a orientação sexual de Thammy é heterossexual pelo simples motivo de ele só se relacionar com mulheres.


OS DIVERSOS TIPOS DE GÊNERO

Explicada a questão acima, agora vamos abordar alguns tipos de gênero para que enfim possamos engajar no assunto principal que é o candomblé e o tratamento as pessoas trans.

O transexual é aquele que não se identifica com o gênero de nascença masculino ou feminino.

Já o cisgênero é aquela pessoa que se identifica com o seu gênero de nascença.

Os não-binários não se identificam nem com o gênero feminino nem com o masculino.


OS TRANSEXUAIS E O CANDOMBLÉ

Enfim chegamos ao ponto que todos esperavam. Mas antes de qualquer coisa precisamos nos conscientizar que o respeito ao ser humano é o mínimo de responsabilidade social que cada um de nós deve ter em suas vidas. Respeitar a existência de outra pessoa é mais que uma obrigação, é um dever moral que devemos pregar, principalmente em nossas casas de santo. Antes de julgar ou tacar pedras pense que os dedos não são iguais e que não cabe a nós questionar a experiência de vida de cada um.

Serei breve porque esse não é o meu lugar de fala. Trarei para vocês entrevistas e relatos maravilhosos de pessoas trans que ocupam seus espaços no candomblé e vamos também entender como é a vivência de cada uma delas dentro de sua casa.

A questão transexual dentro dos terreiros de candomblé por vezes é muito mal vista e até mesmo mal resolvida. Alguns pais e mães de santo não sabem o que fazer e como lidar com essas pessoas e acabam por não aceitá-las em suas casas. Como devem se vestir? Como devem se portar? Dúvidas resultantes de uma sociedade extremamente preconceituosa e pouco empática que acaba refletindo em nossos barracões.

Como todos sabem, o candomblé não tem um manual de instruções sobre o que fazer, não tem uma bíblia ditando comportamentos que devem ser seguidos e talvez seja por isso que estejamos tão despreparados para receber essas pessoas em nossas casas de santo. A saída mais fácil seria saber a vontade do orixá, o que ele determinou para cada filho, mas como seríamos capazes de entender um Deus? Cada um foi feito e moldado pelas divindades, eles não tem preconceitos, mas qual seria a visão deles do que fazer nesses casos?

Os zeladores não tem as respostas para tudo e isso faz com que cada casa imponha seus costumes para receber as pessoas trans em seu solo sagrado. Como cada um vai lidar com as regras e aparências é algo totalmente pessoal e experiencial. Um diálogo nesses casos seria a melhor saída para não cairmos em discursos preconceituosos que são velados por tradição. Conhecer seu filho, saber a necessidade dele, mostrar a ele os seus pontos e buscar uma solução eficiente para ambos seria o melhor caminho a ser seguido.

E que você, irmão de santo, ao ver como cada casa lida com pessoas diferentes não aponte o dedo para criticar. O transexualismo não é uma frescura e muito menos algo relacionado a egos gigantes, ele é como a pessoa se enxerga e se identifica todos os dias da sua vida. Que guardemos dentro de nós cada discurso ofensivo e de caráter grosseiro que tenhamos sobre aqueles que não são iguais a nós. O mundo fora das casas de santo já é cruel e maluco o suficiente para que essas pessoas não possam encontrar refúgio, amor, carinho e afeto dentro de seus barracões.


DEPOIMENTOS:

Naomi Marques tem 40 anos, ela é iniciada no candomblé há 23 anos e é transexual desde os 14. Ao se iniciar, Naomi conta que seu pai de santo a aceitava como era, mas ela teve alguns conflitos internos: "Quando me iniciei meu ex zelador me disse: 'Minha filha, você irá sair na sala de baiana, vestida de mulher, pois você é uma mulher trans'. Mas eu não aceitava isso naquela época por conta de coisas que eu escutava. Eu ouvia que transexuais e travestis não eram bem vindas no candomblé, que éramos a escória da religião! Então durante muito tempo me escondia por roupas masculinas". Os anos se passaram, Naomi abriu sua própria casa, raspava seus filhos, mas não se sentia completa. Ao ir em um barracão de uma amiga que também é transexual ela foi questionada o porquê de não se vestir de mulher dentro de seu axé já que era daquela forma que ela se identificava e isso mexeu muito com seu interior. Algum tempo depois ela enfim tomou coragem e anunciou para seus filhos que a partir daquele dia ela seria chamada de Mãe Naomi de Osún, mas infelizmente a maioria deles não a aceitou, apenas 5 filhos continuaram ao seu lado lhe apoiando. Por causa dos fatos ocorridos, Naomi entrou em depressão e fechou seu barracão. Ela se questionava o porquê de não poderem aceitá-la já que quando abriu sua casa ela já era uma mulher trans só que com vestes masculinas e a conclusão foi dolorosa: hipocrisia e preconceito. Hoje, Naomi se reencontrou com a religião e é cuidada por Mauro ty Osún do Ilê Alaketu Asé Iyámi Iponda. Ela diz que em sua nova casa ela é respeitada como mulher trans e Iyalorixá. No final ela conclui: "Sofro e passo preconceito todos os dias! Sou negra, mulher trans, candomblecista e humilde. Não tenho uma profissão e não sou aceita no mercado de trabalho. O que me entristece é saber que a religião que mais prega a união é a que mais afasta e critica as pessoas! No dia em que o candomblé aprender a respeitar o próximo como ele é, aí sim seremos unidos!".


O próximo entrevistado não quis ser identificado, ele é do candomblé há 9 anos e transexual a 2. Ele percebeu ser uma pessoa trans quando seu corpo o incomodava e ele não se enxergava da forma que se via. Ele diz que sofre algum preconceito dentro do candomblé por não saberem lidar com a sua identidade, mas apesar de tudo ele é compreendido e respeitado dentro de sua casa como homem trans.


Daniela Vitória é iniciada no candomblé há 14 anos e transsexual desde os 17. Ela relata que já passou por muito preconceito dentro das casas de santo, o que a fez ir de casa em casa a procura de um zelador que a aceitasse. Hoje ela enfim encontrou alguém que a respeite como mulher trans e diz que não é a única em seu barracão. Daniela também conta que já passou por situações de humilhação até chegar aonde está hoje: "Se eu estava de calças me criticavam por enxergarem uma mulher de calça no barracão (...) e se eu estava de saia o povo queria expor que eu era um homem e não poderia usar saias. (...) Estou até com minha obrigação atrasada pois passei por casas em que o zelador(a) pegava meu dinheiro e não me dava obrigação".



O próximo entrevistado também não quis ser identificado, ele frequenta o candomblé há 3 anos e é transsexual há 1 ano. Ele diz que em sua casa de santo todos o respeitam, mas por opção própria ele assume seu gênero de nascença dentro do barracão e usa baiana. Ele ainda falou para nós: "Eu não vejo problema em assumir o gênero que nasci na casa. O meu amor pelos mukisi vai além disso e sei que eles me amam também, independente do que foi decidido depois da transição".


Vinícius Henrique é do candomblé há 3 anos e transsexual há 1 ano e meio. Vinícius sempre sentiu desconforto ao ser chamado de "mulher lésbica", mas como não conhecia o mundo transexual ele guardava esse sentimento dentro de si. Hoje, com a ajuda de sua esposa, ele conseguiu desconstruir tudo aquilo que sentia e se assumiu como homens trans. Dentro de sua casa de santo Vinícius é reconhecido como seu gênero de nascença, assumindo o cargo, funções e vestimentas de Ekedy assim como lhe foi ensinado. Para concluir Vinícius comentou: "Não sou menos homem por usar saia 1 vez por mês durante 3 horas e quem acha isso deveria rever o que pensa da vida".



Após ouvir tantos relatos emocionantes nós podemos elucidar um pouco como funciona o mundo trans dentro do candomblé. De cara nós já percebemos que cada caso é um caso, existem pessoas que em seus barracões assumem seu genêro de nascença e outras que assumem a forma como se identificam. Há casas diferentes e ensinamentos diferentes como foi dito no início do texto e desde que ocorra o respeito mútuo não tem problema se fulano pede para que seu filho assuma a identidade A ou B dentro de seu barracão.

O que podemos observar também em diversos relatos foi o preconceito e a falta de empatia para com essas pessoas, por vezes elas são julgadas e até mesmo humilhadas apenas por serem o que são.

Você representante religioso que está lendo esse texto até agora, eu lhe faço um pedido: cuide de seus filhos e os ensine que o amor ao próximo é tão importante quanto o amor ao próprio orixá. Ensine que devemos ser respeitosos e que todos são diferentes. A educação vem de cima, uma casa de santo é obrigada a cuidar de sua família com afeto e carinho para que sejam mais fortes e possam lutar contra todo tipo de preconceito dentro e fora de seu barracão.

Protejam seus filhos. Abram suas portas. Tentem conhecer o novo, pois o sagrado é feito de diálogo e união.


Com Axé,

Filhos do Candomblé.

 
 
 

1 comentario


cbelome
02 abr 2019

Péssimo texto, pois incentiva pessoas trans a continuarem a aceitar o desrespeito que é a exigência de vestimenta contrária a seu gênero devido ao órgão genital com o qual nasceu.

E um dos depoimentos é mentiroso, além de danoso, pois a própria pessoa já me falou que quando atingir a passabilidade irá confrontar os zeladores de sua casa para usar as roupas corretas, ou seja, ainda assim reforça que a pessoa trans só merece respeito se parecer cis.

É tudo um absurdo!

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